

A sommelière paulistana Sonia Denicol falou com a Pró-Vinho sobre vinhos brasileiros artesanais de pequena produção e indicou cinco deles.
Formada pelo Senac e com certificação internacional nível 3 pela Wine Spirits Education Trust (WSET), Sonia Denicol se dedica a um projeto de divulgação e venda de vinhos brasileiros para consumidores finais, desde 2003. Segundo ela, “o foco são pequenos produtores, que tenham propostas artesanais e sustentáveis e que sejam representativos da identidade brasileira”.
Atualmente, ela organiza também palestras e eventos de degustação para interessados em aprender e ampliar o conhecimento sobre vinhos.
Como você vê o momento do vinho brasileiro de um modo geral?
O vinho brasileiro avançou muito nas duas últimas décadas em termos de qualidade de produção, do cultivo à vinificação. Hoje temos vinhos no mesmo nível de qualidade de qualquer vinho do mundo, mas ainda assim não conseguiram conquistar definitivamente o coração e o bolso dos consumidores. Muitos obstáculos ainda não foram resolvidos e superados: impostos altos, que resultam em preços elevados, falta de divulgação, pouca disponibilidade de rótulos pelo grande mercado, desconhecimento e desinteresse, e ainda muito preconceito.
“Os consumidores querem novas experiências e não mais Cabernets potentes, Chardonnays amanteigados ou Malbecs super frutados. Há vários vinhos assim no mercado, com ótima relação qualidade-preço”
Penso que falta buscar mais a identidade do vinho brasileiro em vez de simplesmente reproduzir o padrão mundial, seja em estilo ou em variedades. O Brasil precisa investir mais no que tem capacidade para produzir de melhor, como por exemplo os espumantes, já reconhecidos tanto dentro como fora do país, além de tintos e brancos frescos, para o dia a dia e para democratizar mais o consumo.
Villaggio Conti, na Serra Catarinense
O que você acha das novas regiões produtoras dos chamados Vinhos de Inverno?
Os vinhos de inverno, também conhecidos como de poda invertida, estão mostrando bons resultados e agradando consumidores, mas eu ainda olho para estas produções com alguma reserva. São vinhos que buscam atender o padrão de qualidade estabelecido pelo mercado, mais estruturados e com maior teor de álcool. Para atingir esse objetivo, foi desenvolvida esta técnica da poda invertida ou dupla poda, que inverte o ciclo normal da planta com uma segunda poda no início do verão, transferindo a brotação e amadurecimento para o período de outono/inverno, fugindo do período de chuvas. Assim, se consegue uma maior maturação das uvas, com maior teor de açúcar e taninos, e consequentemente gerando vinhos mais estruturados. Além de alterar o ciclo natural da planta, é necessário o uso de produtos para quebra da dormência e para que as plantas brotem ao mesmo tempo e de forma uniforme.
A técnica em si é interessante, fruto de estudos e pesquisas de muitos anos. Os vinhos são bons, sem dúvida, feitos com qualidade. Mas se por um lado se consegue obter vinhos comercialmente mais aceitos pelo grande mercado, por outro, na taça e às cegas, o que nos diz que esses vinhos são brasileiros?
Meu olhar e meu trabalho tem uma outra vertente. Além de produções com menos intervenção, mais sustentáveis, busco mostrar um outro lado do vinho brasileiro, daquilo que nos dá mais identidade, que fale mais do seu lugar de origem, de suas variedades, e também de sua cultura e história. Bons vinhos com a cara do Brasil e que tragam novas experiências para o paladar.
Como está o movimento dos vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais entre os produtores brasileiros?
Esse movimento é ainda novo no Brasil. É um mercado de nicho e que vem crescendo no ritmo de consumidores e restaurantes, que cada vez mais buscam por produtos com propostas mais saudáveis, conscientes e sustentáveis, e que tragam novas experiências para o paladar. Tem muito a ver com um estilo e uma filosofia de vida, tanto para quem consome como para quem produz. É uma tendência que veio para ficar e não um simples modismo.
Ainda há poucos produtores deste estilo de vinhos no Brasil e o volume de produção é baixo, então temos poucos rótulos disponíveis e que não são suficientes para atender o mercado. Até porque, com um interesse cada vez maior nestas produções, em pouco tempo eles conseguem vender tudo.
Uma das questões que mais limita o crescimento deste tipo de produção no Brasil é a legislação, que não favorece a formalização destes produtores e o surgimento de novos. As exigências são muitas e requerem um alto investimento em infraestrutura, que muitos deles, ainda em início de produção, não têm condições de investir.
Uma legislação específica foi criada há pouco tempo para produtores coloniais e artesanais de baixo volume, mas que também tem suas limitações. Por exemplo, impede os produtores de comercializarem seus vinhos e produtos para fora do estado onde produzem.
Várias iniciativas têm sido tomadas por esse pequeno grupo de produtores para sensibilizar os orgãos públicos quanto a uma legislação específica, porém ainda sem sucesso. Então ainda é difícil encontrar estes rótulos pelo mercado.
Confira cinco vinhos brasileiros, indicados pela sommelière Sonia Denicol, que seguem o perfil mencionado:
• Era dos Ventos Peverella 2016* – Caminhos de Pedra, Serra Gaúcha, RS
• Era dos Ventos Teroldego 2014* – Caminhos de Pedra, Serra Gaúcha, RS
• Faccin Riesling Itálico 2018 – Monte Belo do Sul, RS
• Villa Baldin Goethe Gold 2019 – Urussanga, SC
• Villaggio Conti Conti Tutto 2018 – São Joaquim, SC
- os vinhos da Era dos Ventos podem ser encontrados nos restaurantes D.O.M., Picchi e Pipo, em São Paulo.